Ato de amor
Qualquer instituição está circunscrita em um tempo e espaço e, portanto, é construída para atender às demandas de seu contexto social, político e econômico. Com as instituições educacionais não é diferente e pode-se observar mudanças significativas de suas características ao longo da história brasileira.
Consequentemente, uma das peças fundamentais para o ensino, e,e que muitas vezes é símbolo do ensino, também mudou (e muda) de características conforme as necessidades de sua época. Assim, justamente por haver um consenso da importância de seu papel no processo educativo e por ser um dos instrumentos da educação formal, a figura do professor mudou conjuntamente às realidades históricas.
No Brasil, a educação sempre foi sinônimo de privilégio visto que é construída por desigualdades de acesso desde o período colonial. Iniciando com a educação jesuítica, católica e missionária quando o Brasil era colônia de Portugal, passando para uma educação particular, elitista e classicista do período imperial e chegando na modernidade com todos esses reflexos.
A educação no Brasil começou a ser formalizada e estruturada somente na Era Vargas devido a necessidade do governo de então em desenvolver o setor industrial no país e, assim, promover um avanço econômico e social, tentando atualizar os setores de produção comercial e mercados de trabalho em relação aos demais países desenvolvidos.
Sendo assim, na época as instituições de ensino adquiriam o objetivo de capacitar os alunos a aprenderem técnicas para serem utilizadas em sua profissão, e a figura do professor era vista como uma autoridade autoritária, cujo objetivo era repassar informações didáticas aos estudantes para que pudessem reproduzir tais conteúdos, e logo, adquirissem o "conhecimento" necessário para preencherem uma ocupação no mercado de trabalho. Essa perspectiva ainda existe de forma relutante nas realidades de ensino formal e precisa ser atualizada.
Mudança
Com as transformações das estruturas sociais ao longo dos anos, resultado das diversas pesquisas nas áreas de educação, pedagogia, neurologia, entre outras, pôde-se perceber que "aprender algo" não se resume em repetir ou copiar informações pré-estabelecidas e determinadas.
Afinal, o fato de um estudante ter adquirido nota suficiente para ser aprovado em uma matéria não faz com que ele saiba desenvolver opiniões e informações sobre o assunto que escreveu nas respostas das provas.
Assim, ainda hoje não há uma definição ou consenso sobre o que é "aprender" ou como acontece o processo de ensino- aprendizagem em seu todo, visto que envolve diversas áreas da natureza e características humanas que se relacionam e estão inseridas na complexidade dos espaços sociais. O que se percebe de forma geral é que aprender está muito mais correlacionado a fatores de vínculos emocionais e sociais, deixando de ser um processo mecânico.
Logo, havendo a necessidade de se repensar o processo de aprendizagem, a postura do professor como aquele detentor de um conhecimento específico e que somente transfere a informação para um estudante não é mais válida atualmente.
O educador deve, então, ser aquele que compreende o processo de ensino-aprendizagem como uma relação a ser construída mutuamente entre aluno, informação e professor, em um processo de simbiose. É preciso ter consciência de que sua função em sala de aula (e no mundo) não gera um produto a ser consumido, mas que desempenha um ato político-social uma vez que estimula, incentiva e oportuniza a construção de afetividades e reflexão crítica de seres humanos que são, ao mesmo tempo, sujeitos e indivíduos.
Além disso, é necessário enfatizar que a figura do professor não ensina somente conteúdos didáticos dentro dos muros das instituições educacionais, mas rompe suas barreiras ao se tornar referência e exemplo como ator político para a vida no mundo.
Assim, é necessário desmistificar o educador enquanto um agente que atua movido por amor à sua profissão, somente, e identificar o ato de ensinar como processo de construção mútua entre docente e educando, aprimorando em que as partes envolvidas têm a oportunidade de construir aprendizados particulares e coletivos sob diversas realidades sociais.
Porém, apesar das considerações positivas e motivadoras sobre seu papel, o que se evidencia no desempenho da função são as dificuldades que interrompem ou atrapalham a prática educativa no cotidiano.
Por melhor que sejam a intenção e/ou consciência de um professor sobre sua função política, é necessário haver as condições técnica, material e trabalhista adequadas, além da atualização do sistema educacional, para que seja possível atingir os objetivos que propõe: construir as condições adequadas para a formação humana individual e coletiva dos estudantes na sociedade.
Dessa forma, para que o professor consiga desempenhar sua função adequadamente enquanto aquele que desperta e desenvolve consciências a respeito de ser e estar no mundo, o que tradicionalmente se identifica como "ato de amor", é preciso que haja valorização e investimento dessa/nessa categoria, separando o aspecto romântico da profissão e enxergando-o como ato político.
Referências Bibliográficas:
MARTINS, Maria Anita Viviani. O professor como agente político. Coleção Educação nº13. São Paulo: Loyola, 1984.
Perce Eugenio, Aline Aparecida y Ignacio Silva, Sonia Aparecida (2011). A formação do professor com compromisso político: uma construção subjetiva. III Congreso Internacional de Investigación y Práctica Profesional en Psicología XVIII Jornadas de Investigación Séptimo Encuentro de Investigadores en Psicología del MERCOSUR. Facultad de Psicología - Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires.
TRAVITZKI, Rodrigo. Qual é o papel do professor em tempos de polêmicas políticas. Em busca de democracia. Rizomas. Disponível em:<http://rizomas.net/filosofia/democracia/462-qual-e-o-papel-do-professor-em-tempos-de-polemicas-politicas.html >Acesso em 6 out 2020.
Comments