Surgido em 1984, o Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST) traz em sua característica ações de ocupações de latifúndios, além de projetos amplos que visam preservar recursos naturais, promover a agroecologia e produzir alimentos saudáveis. Já o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) surgiu na década de 90 e visa ajudar a organizar as famílias que lutam pelo direito às moradias. Ambos os movimentos causam grande furor nas mídias e no Governo no Brasil, a população em si tem uma leve imaginação do que seja cada um, ou associam equivocadamente os movimentos a “um grupo de pessoas que tentam invadir as terras alheias”. Vamos conversar um pouco sobre eles?
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
Levando em consideração que o Brasil é um dos países com a maior concentração de terras no mundo e que aqui estão os maiores latifúndios, ressaltamos que a improdutividade dessas terras se dá desde a época da ocupação dos portugueses lá no século 16, quando foi estabelecida a desigualdade social, fruto de uma combinação da monocultura da exportação com a escravidão. Hoje, apesar de tantas transformações políticas e econômicas, ainda é difícil enfrentar essas concentrações de terras, logo os trabalhadores travam lutas contra a exploração, cativeiro da terra, expropriação, contra a expulsão e exclusão. Essa resistência caminha por longos cinco séculos participando ativamente do processo de transformação da sociedade.
Basta nos inteirarmos sobre a história de alguns dos grandes movimentos sociais da história do Brasil como a luta dos primeiros indígenas contra a mercantilização e apropriação pelos invasores portugueses, resistência dos quilombos e de Canudos, Ligas Camponesas, entre tantas outras, para que tenhamos a certeza de que é um dos maiores e mais importantes movimentos sociais do país.
“As ocupações de terra se tornaram ferramenta de expressão camponesa e de contestação do autoritarismo.”
Da década de 70 até hoje, o movimento travou grandes lutas contra o sistema e acordos enganosos feitos com o Governo, além de testemunhar massacres como o de Corumbiara (1995), em Rondônia, e Eldorado dos Carajás (1996), no Pará.
A sonhada Reforma Agrária é o que motiva tantas marchas e protestos, ou seja, querem garantir um conjunto de ações e medidas voltadas para garantir uma distribuição justa de terras agricultáveis para trabalhadores rurais. Ou seja, essa reforma objetiva diminuir consideravelmente a quantidade de propriedades agrícolas privadas e improdutivas no meio rural, e ela costuma ser adotada através da desapropriação e transferência para as famílias que não têm terra.
No início dos anos 2000, o MST já tinha atuação em 23 estados, 1,5 milhão de pessoas, 350 mil famílias assentadas e 100 mil vivendo em acampamentos. Também foram construídas associações de produção, serviços e comercialização, e contavam com 1500 escolas públicas nos assentamentos, 150 mil crianças matriculadas e aproximadamente 3500 professores. Mas a época também foi marcada pela expansão do modelo agrário-exportador no país e pelo alto número de aquisição de terras por estrangeiros. O financiamento público garantia a exploração da terra, dos recursos naturais e do trabalho, que faziam parte da lógica do agronegócio e que foi incentivado pelo governo da época. Esse negócio vinha num combo de: baixo salário, grandes extensões de terra para a monocultura de exportação e uso intensivo de agrotóxicos e sementes transgênicas. Isso impossibilitou a produção de alimentos para a população e diminuiu a criação de postos de trabalho para os agricultores.
“Reforma Agrária, Por Justiça Social e Soberania Popular”
Com a expansão do agronegócio e a consolidação do mesmo, o Movimento dos Sem Terra teve que qualificar o debate, e pediram a Reforma Agrária como alternativa para solução de problemas sociais gravíssimos do Brasil (fome, violência, desemprego e o processo de exclusão econômica e social), e essa luta era vista como parte da construção de um projeto popular e soberano para o país.
Logo perceberam que a luta não traria benefícios apenas para a comunidade dos sem teto, mas para toda a sociedade brasileira, e atrelaram o adjetivo “popular” ao seu lema, a fim de garantir uma luta por um novo modelo de organização da economia, com renda e emprego para todos. Hoje eles visam democratizar a propriedade da terra com organização da produção de forma diferente, priorizando a produção de alimentos saudáveis para o mercado interno, com um modelo econômico que distribua renda e respeite o meio ambiente.
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)
Considerado como uma versão urbana do MST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto foi fundado em 1997 e tem como objetivo central a luta pelo respeito ao direito constitucional de moradia. Ele atua nas grandes capitais do país e suas ações consistem em ocupar imóveis que se encontram em situação de irregularidade, fazendo pressão e mobilizando as autoridades pela desapropriação desses imóveis. Este movimento é formado por pessoas que não conseguiram pagar os altos preços de aluguéis, pessoas que moravam em áreas de risco ou que foram despejadas.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto protesta contra a desigualdade habitacional nas cidades, onde poucas pessoas possuem mais de um imóvel enquanto muitas outras estão sem teto. O pedido aqui é por uma Reforma Urbana e direito à moradia, estabelecido pela Constituição Federal (1988):
Art. 6° São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
A Constituição ainda afirma que todo cidadão tem direito à um salário mínimo que seja suficiente para garantir sua moradia, e reafirma o dever do Estado com relação ao direito à moradia:
Art. 23 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.
Para amenizar a situação do déficit habitacional no Brasil - que, de acordo com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) será de 11,9 milhões, o MTST pede ao Governo federal a adoção de uma maior fiscalização e regulamentação dos preços do mercado imobiliário. Algumas iniciativas até foram colocadas em prática, mas não obtiveram resultados eficazes por não terem tido foco em quem realmente precisa das ações, à exemplo do programa Minha Casa, Minha Vida.
Com a desejada Reforma Urbana, eles querem democratizar o território das cidades, incluindo as seguintes políticas:
conter a especulação imobiliária (que resulta na elevação do custo de moradia);
garantir acesso à infraestrutura para além das áreas nobres da cidade;
combater a propagação de enormes lotes ociosos no meio de cidades e promover o melhor aproveitamento desses espaços;
E apesar de tudo, vale ressaltar que a Reforma Urbana ainda é menos conhecida que a Agrária, não há um instituto como o INCRA (instituto nacional de Colonização e Reforma Agrária) para tratar da questão do déficit habitacional, deixando sob a responsabilidade de cada município a responsabilidade do planejamento urbano.
Inevitavelmente, depois que começamos a entender como funciona e os motivos pelos quais esses movimentos lutam tanto e durante tantos anos, passamos a aceitá-los e dar mais credibilidade aos mesmos, além de nos questionar ainda mais a confiabilidade no Governo que opera dentro de um país tão desigual e controverso. Atualmente, o atual presidente tem tentado criminalizar os milhões de trabalhadores que se organizam para reivindicar esses direitos constitucionais, impulsionando discursos de ódio contra os mesmos, estrangulando as organizações financeiramente e criminalizando a militância. E nós, do Politiquei, estamos e estaremos aqui para trazer as informações da maneira mais limpa possível para que todes entendam cada vez mais o que está acontecendo e ajudem a desintegrar esse sistema que traz todo discurso de ódio.
Referências:
O MST: Nossa História. Disponível em: <https://mst.org.br/nossa-historia/inicio/> Acesso 26 Abr 2022
MTST: Conheça o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Disponível em: <https://www.politize.com.br/mtst-conheca-o-movimento-dos-trabalhadores-sem-teto/> Acesso em 28 Abr 2022
MST e MTST: Você realmente conhece esses movimentos? Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2018/10/25/mst-e-mtst-voce-realmente-conhece-essas-organizacoes> Acesso em 02 Maio 2022
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