Por Rafael Alves
Acredito que o assunto “representatividade” seja uma questão muito delicada para grande parte das pessoas pretas, apesar de vivermos em um país os negros são a maior parte da população. Até alguns anos atrás, encontrar uma representação negra que fosse positiva em novelas, filmes, e até comerciais, era uma tarefa difícil. A maior parte desses papéis destinados a nós eram de serventia, atrelando a essas pessoas um estigma de inferioridade. Um grande exemplo desse são as novelas que sempre se passavam em períodos de escravidão e obviamente os papéis destinados a nós eram dos escravizados; e mesmo em contextos fora do período escravocrata, evoluímos de escravizados para os empregados das pessoas brancas, que os patrões tinham relações escondidas, ou seja, a mesma narrativa anterior.
As representações inferiorizadas de pessoas negras podem afetar grandemente essa população, sobretudo as crianças, a ponto de negarem suas origens, tentando se encaixar o mais próximo possível de um “ideal branco”. A lógica é simples: se tudo o que é considerado positivo (ser bem sucedido, ser a princesa, o herói e por aí adiante) está atrelado a branquitude e o que é considerado negativo (ser o empregado, o vilão ou a bruxa) é relacionado a pessoas negras, eu vou querer me aproximar do que me dizem ser o ideal.
O movimento de luta antirracista no Brasil tem uma história de muitos anos, e o momento atual de “maior destaque” só demonstra um grito de séculos de silenciamento em que as questões do negro já sofreram e continuam a sofrer com as inumeras manifiestações de racismo amarradas em nossa estrutura social. Com o intuito de romper com os costumes influenciados por padrões coloniais europeus, os movimentos de resistência têm feito grandes esforços para promover temáticas afrocentradas nos meios de literatura e em outros tipos de mídia, como cinema, TV, teatro e outros mais. Histórias e personagens negros que retratam a beleza de suas realidades na estética e ocupam lugares que antes eram negados, e em aguns casos retratam a realidade das questões raciais e sociais do Brasil. Portanto, o estímulo à aquisição dessas produções que retratem a diversidade racial, com personagens negros, precisa ser valorizada e demonstrada às crianças. Em um estudo realizado pelo Instituto NeuroSaber, observou-se que contos e desenhos infantis ajudam crianças na construção de valores e comportamento diante da sociedade. Por isso é tão importante que elas se vejam representadas nesses locais.
Discutir o racismo desde a infância tem um impacto profundo no processo de construção da identidade e de subjetividades de crianças negras e brancas. Crescer sem receber informações históricas, geográficas e sociológicas completas acerca da população negra impacta todas as crianças, negras e brancas, porque naturaliza uma ideia sobre quem tem ou não valor, quem construiu ou não a história, quem deve ou não ter respeito. Entretanto, não se pode negar que crianças brancas possuem mais direitos do que crianças negras, que têm suas infâncias sistematicamente negadas desde o período colonial, que habitam o lugar social do não cuidado e da não proteção, como mostram os casos de Miguel, Ágatha Félix e João Pedro, crianças negras mortas em episódios que explicitam suas realidades menos favoráveis. Discutir o racismo precisa fazer parte da infância à medida em que impacta profundamente o processo de construção de identidade e subjetividades, pois será a maneira pela qual as crianças irão navegar o mundo e construir suas relações. Buscar representações pretas e apresentá-las é uma maneira socioemocional de auxiliar no desenvolvimento. É extremamente importante que nós (pais, tios, avós, educadores e etc) cuidemos para que crianças pretas possam desenvolver a consciência de que sim, podem ocupar QUALQUER LUGAR!
Aqui vão algumas dicas de produções com protagonismo negro:
Livro - O pequeno príncipe preto, escrito por Rodrigo França.
“Em um minúsculo planeta, vive o Pequeno Príncipe Preto. Além dele, existe apenas uma árvore Baobá, sua única companheira. Quando chegam as ventanias, o menino viaja por diferentes planetas, espalhando o amor e a empatia. O texto é originalmente uma peça infantil que já rodou o país inteiro.”
Livro - Você não é invisível, escrito por Lázaro Ramos.
“Esta é a história de uma família em quarentena. Carlos e Vitória são irmãos e moram com o pai, mas só o encontram no fim do dia. Muito diferentes um do outro, se expressam cada um a seu modo.. O autor explora os muitos jeitos que temos de nos comunicar, esse livro nos ensina que, se temos de encarar nossos monstros, que o façamos com coragem, segurando na mão de quem nos ama.”
Filme - Wakanda 1 e 2, produzido pela Marvel Entertainment.
“A história de um super-herói que comanda o reino de Wakanda. Um local super desenvolvido, com tecnologia de ponta que, subjetivamente, mostra parte da cultura do povo africano de forma fictícia, mas que faz seus espectadores refletirem, sobremaneira, em questões sociais e raciais.”
Filme - Kirikou - Os Animais Selvagens, produzido pela Les Armateurs e Armada Pictures.
“Sentado no trono de sua caverna azul, o avô de Kirikou relembra histórias da infância do herói e conta como salvou sua pequena aldeia na África da fome, da sede, da doença e das investidas da malvada bruxa Karaba, usando sua astúcia e valentia.”
Série - Cara gente branca, produzida pela Netflix.
“As mais refinadas faculdades americanas podem representar uma enorme carga de estresse para seus alunos. Tensões sociais, a pressão acadêmica e o medo que vem com a chegada à idade adulta podem ser aterrorizantes. Pior que isso, só se você for um afro-americano, tendo que lidar com os alunos majoritariamente brancos e os estigmas associados a você pela sociedade.”
Série - Criando Dion, produzida pela Netflix.
“Nicole Reese criou seu filho Dion sozinha após a morte de seu marido Mark. Mas a tarefa de cuidar dele sozinho fica ainda mais difícil quando o garoto começa a desenvolver habilidades sobrenaturais.”
Referências:
A importância da representatividade negra na literatura infantil. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/a-importancia-da-representatividade-negra-na-literatura-infantil/?gclid=Cj0KCQiA4uCcBhDdARIsAH5jyUlh8NSFTRJcquFL-XMCoqtjANMaP2ylIGhj3Ca8uFQHi6ajUOQzd5gaAqEzEALw_wcB> Acesso em: 12 dez. 22.
Entenda por que a representatividade negra é importante ainda na infância. Disponível em: <https://familycenter.com.br/entenda-por-que-a-representatividade-negra-e-importante-ainda-na-infancia/> Acesso em: 12 dez. 22.
O imaginário infantil e a representatividade para crianças negras. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/o-imaginario-infantil-e-a-representatividade-para-criancas-negras/> Acesso em: 14 dez. 22.
Como a falta de representatividade negra afeta todas as crianças? Disponível em: <https://lunetas.com.br/falta-de-representatividade-negra-afeta-todas-as-criancas/> Acesso em: 14 dez. 22.
Quais são as 4 fases do desenvolvimento cognitivo infantil? Disponível em: <https://institutoneurosaber.com.br/quais-sao-as-4-fases-do-desenvolvimento-cognitivo-infantil/> Acesso em: 21 dez. 22.
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