Por Will Sants
Como quase tudo que é proibido neste país, existem coisas que aparentemente só são permitidas para um grupo específico ao qual nem iremos mencionar por agora. Mas vocês com certeza já ouviram alguém falar que foi pego pela polícia, ou ao menos já viu isso acontecer, por estarem portando cannabis, certo? Sim, neste texto vamos abordar essa proibição louca que insiste em atingir apenas um grupo de pessoas. Afinal, a cannabis é proibida para quem?
Após ter seu cultivo incentivado pela Coroa Portuguesa no início da colonização no Brasil, a cannabis foi usada como forma de incentivo à economia, com o cânhamo sendo visto como um grande potencial comercial, seu uso medicinal passou a ser explorado e seu uso recreativo aproveitado por todos - o que levou a uma disseminação entre pessoas escravizadas e indígenas. Em outubro de 1830, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou a “Lei do Pito do Pango”, que estabelecia três dias de cadeia a quem fumasse maconha. Mas vocês pensam que essa lei valia para todas as pessoas? Não. Ela valia apenas para “escravos e outras pessoas”. Já no século 20, após publicação do psiquiatra Rodrigues Dória na qual ele associava o uso da planta a uma degeneração moral, a sociedade passou a enxergar a cannabis e seus/suas usuários/as com olhar negativo e preconceituoso. A partir dos anos 30, o Brasil passou a reprimir o uso e associou a planta ao preconceito racial, adotando esta como uma das inúmeras maneiras de criminalizar a população negra. E, durante a ditadura Vargas, mais precisamente em 1938, veio a proibição federal por meio da Lei de Fiscalização de Entorpecentes.
Atualmente a gente consegue assistir uma grande virada no jogo em torno da liberação do uso de cannabis. Nos Estados Unidos apenas três de seus cinquenta estados proíbem qualquer uso da maconha. No Brasil, de acordo com a Lei nº 11.343./2006 (Lei de Drogas), o uso da cannabis é ilegal e considerado crime, mas punido com advertência, prestação de serviços à comunidade ou medidas educativas, em casos de tráfico as punições são um pouco mais severas. Vale ainda ressaltar que após a aprovação da lei antidrogas, houve um aumento considerável de 378% da população carcerária negra do país, e que entre 62% e 74% das condenações por tráfico de drogas há um número no qual as únicas testemunhas ouvidas em todo o processo são de policiais responsáveis pelas prisões.
Cerca de 42% de homens negros afirmam já terem sido alvos de abordagens abusivas da polícia. E vale ressaltar que 77% dos promotores e procuradores são brancos, além de os brancos serem maioria entre os magistrados também (80%). Se pararmos para pensar no que e/ou a quem essa guerra contra as drogas favorece, não precisaremos de muito tempo para chegar a uma conclusão. Analisando todo o histórico de proibição da maconha dentro do território brasileiro, e até mesmo a nível internacional, concluímos que é uma guerra, acima de tudo, contra a população preta e pobre. E aqui a gente considera toda uma estrutura financeira/psicológica que é facilitada para um grupo, e total descaso e descomprometimento com essa estrutura dada ao outro. Se circularmos em ambientes majoritariamente brancos pelo Brasil, facilmente encontraremos qualquer tipo de droga sendo consumida livremente, já os pretos e pretas são abordados abusivamente enquanto circulam “livremente” nas ruas, sendo eles/as usuários/as ou não.
Na Tailandia, o jogo parece estar sendo revertido, já que o Governo planeja acabar com a liberação do uso recreativo. No país, pessoas com mais de 20 anos podem consumir a maconha como uso recreativo (ação liberada em 2022) em suas casas e/ou restaurantes. Lá, seu plantio só é liberado mediante autorização do Governo.
A grande questão em torno dessa liberação é que todos sabemos que os olhos do capitalismo estão bem abertos em cima disso tudo, e com um mercado que borbulha em relação a esse tema, não há dúvidas de que ela acontecerá quando “eles” estiverem cientes de que isso tudo gerará ainda mais lucros. Logo, pensa-se que, conhecida como uma droga muito utilizada pela população preta, e que foi criminalizada no período pós-abolicionista, como ficaria essa burocracia em torno do seu mercado? Quem conseguirá de fato plantar, consumir, vender? Quem irá lucrar com tudo isso? Analisando friamente todas as condições atuais do mundo - e principalmente do Brasil, sabemos que deverá existir uma grande fiscalização em cima de quem está por trás desses trâmites.
Curiosidades:
Na década de 30 a pena para quem usava a erva era mais rigorosa do que para quem traficava, pois naquele tempo, os traficantes eram da classe média branca e os usuários eram escravos/as. Isso mudou?
Nos Estados Unidos, a maconha era utilizada pelas classes menos privilegiadas e vistas com antipatia pela classe média branca, como imigrantes mexicanos.
Estudos da Universidade de Yale descobriu que a legalização da maconha recreativa ajudou numa redução de 6,29% nas taxas de suicídio.
Num país de histórico corrupto,assassino e desorganizado como o Brasil, nos cabe o receio em torno da legalização, já que ela vai acarretar a melhora na qualidade da erva, limite de idade mínima para o consumo, informações precisas e justas sendo propagadas, etc. para a nossa população que já sofre diariamente com todas as consequências dessa guerra, e aqui estamos falando da população preta mesmo, a que realmente e unicamente sofre com o uso ou venda da maconha. Se informem, compartilhem informação, votem certo, provem o contrário e apoiem, façam isso tudo com o propósito de se instruir e ajudar cada vez mais os seus e suas.
Referências:
A evolução do cannabis: por que ela se tornou ilegal? Acesso em 08 Jan 2023 Disponível em:
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