Por: Lupita Kayalla
Convido você a fechar os olhos e imaginar um futuro totalmente ligado ao passado. Imagine que o processo de colonização nunca aconteceu, que as civilizações africanas tiveram plena oportunidade de existir e que, nesse futuro, a ciência e tecnologia são aliadas da ancestralidade. Independente do que você tenha projetado, você acaba de experimentar o que é visualizar o mundo sob a ótica do afrofuturismo. O afrofuturismo só passou a ser chamado desta forma na década de 1990, quando o crítico cultural Marl Dery publicou um artigo chamado “Black to the future”. De lá pra cá, este movimento une elementos de ficção científica, mitologia africana, fantasia, e história para recriar narrativas onde o protagonismo é devolvido às pessoas negras, trazendo a representação necessária para elevar a auto-estima do povo negro. A proposta do afrofuturismo é reimaginar. Recriar, e reestabelecer elos roubados pelo processo de apagamento da colonização e escravidão. Reescrever um futuro imaginado, a partir do que foi vivido, e criar infinitas possibilidades. Voltando ao passado, a proposta é contar a história do povo preto não a partir da escravidão, e sim da riqueza do continente africano. O processo colonial, embora violento, não impediu o povo preto de criar. Achille Mbembe, filósofo camaronês, chamou o ato de criar de “Fabulação”, e esse processo é uma ferramenta muito importante para criar imagens que impactam positivamente a realidade e se perpetuam pelo tempo. Ainda segundo Mbembe “O mundo de amanhã é a África”
E como tudo isso se manifesta? Através da moda, artes visuais, cinema, literatura, e música, diversos artistas ao redor do mundo fazem esse resgate. Olhar para o futuro a partir da perspectiva do continente africano desafia tudo o que se conhece sobre futuro e identidade, e nos proporciona inimagináveis alternativas para o povo preto. Ao fazer isso, este movimento não apenas inspira criatividade e imaginação, mas também desencadeia discussões importantes sobre história, raça e sociedade. No álbum Black is King, da Beyoncé, a hisória de O Rei Leão, clássico da Disney, é recontada a partir da jornada de um garoto negro para se conectar novamente à sua ancestralidade. As canções do álbum Lion King: The gift servem como fio condutor para essa narrativa e, segundo Jenn Nkiru, artista e co-diretora nigeriana-britânica do álbum visual, a superprodução buscava “retratar a África como fonte, como o início de tudo, mas também ter uma conversa diaspórica”. Assim também acontece no clipe Nave, da artista Xênia França, onde a cantora dá vida a uma cientista espacial que quanto mais pesquisa o futuro se conecta ao seu passado e ancestralidade.
No cinema, filmes como Pantera Negra reforçam a ideia do avanço tecnológico atrelado ao resgate ancestral. T’Challa é o rei de Wakanda, uma civilização africana que tem a tecnologia mais avançada do planeta após a descoberta do vibranium. A força dessa narrativa em imprimir ideais afrofuturísticos está principalmente no fato de que Wakanda é uma nação que não passou pelo processo de colonização. O campo das artes visuais também é contemplado com obras riquíssimas de artistas como Lina Iris Victor, artista liberiana que além de escultora também produz pinturas de estilo único. Além dela, outros ilustradores e roteiristas, como o baiano Marcelo Lima, criador do HQ infanto juvenil baiano Os afrofuturistas têm criado narrativas repletas de elementos fantásticos que dialogam com os ideais do afrofuturismo. Deixo aqui, como encerramento, as palavras do poeta nacionalista Agostinho Neto, primeiro presidente da Angola e que teve sua poesia descrita por como “chave para todo o resto”:
Criar criarcriar liberdade nas estradas escravasalgemas de amor nos caminhos paganizados do amor sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forcas simuladas criar criar amor com os olhos secos (Neto, 1985, p. 100-101).
Dica:O Site CultureBay tem um acervo riqúissimo sobre afro futurismo, afrosurrealismo, HQ’s, Novelas e Filmes Negros que vale á pena conferir. Para conhecer, basta clicar neste link.
Links:
Link para o site Culturebay https://culturebay.co/pt
Link para o clipe “Nave”, de Xênia França:
Referências:Rolling Stones, Black-kingBlack Is King: Álbum visual de Beyoncé é uma lição decolonial sobre as diferentes Áfricas: 'Dá espaço para culturas fora da compreensão dominante'
Disponível em:
https://rollingstone.uol.com.br/noticia/black-king-album-visual-de-beyonce-e-uma-licao-decolonial-sobre-diferentes-africas-da-espaco-para-culturas-fora-da-compreensao-dominante/
LIMA, Thaynara, Literatura e História na reeducação de imaginários e na produção de novos futuros, Rio de Janeiro, 2022.
Versatile, “Afrofuturismo cria nova ótica para discussões raciais nas artes; entenda o movimento”
Disponível em https://versatille.com/afrofuturismo-cria-nova-otica-para-discussoes-raciais-nas-artes-entenda-o-movimento/
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